Entre sem se perder...

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Marionete


Pobre porcelana
não sabe o quanto ruim e triste
é a bonequinha.
Pobre branca porcelana
não sabe o que a bonequinha tem por dentro.
Pobre vestido
acoberta a maldade
entranhada na espuma.
E o que dizer
do infeliz sapatinho vermelho
que se calça de infantil
mas que deseja.
O que falar do verniz
obrigado a refletir toda a feiura
escondida num sorriso
de gengivas predominantes.
Até as crianças riem de ti
brinquedo em jogos de adulto.
Todos a tua volta riem
com esta franjinha
pretensa colegial.
Todos te repulsam
dona-da-razão.
Pobre órfã
se ilude
ter sido adotada.
Ninguém brincou de boneca contigo
bonequinha.
Que o guarda-roupa
guarde também tua solidão
e o fundo do baú
te salve do fundo do poço.
Boneca inflável
todos te vêem
bonequinha
que se vende
por bem pouco.
Estão te dando corda
bonequinha
te dão corda
diariamente...
Só pra te verem
cedo ou tarde
quebrar.

Rebelde


Por um fio
o vermelho percorre.
Sangüíneo
desalinhado.
Desgrenhado.
Ora ondulado
não é nada liso.
Abandonou o curto e grosso
pra ser longo.
Bem mais longo.
Por agüentar as pontas
ando até a raíz.
Bulbo oleoso
ponta dupla.
Corto na minguante
porque cresce
cresce este meu jeito
que não sai da cabeça.





quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Dedo na ferida


Não podia engravidar de ti
como minha mãe.
Mas te dei um filho
que quero que crie.
A criança não podia ser mais bonita
mais formosa
mais parecida contigo.
Pai me ajuda a criar nosso filho juntos.
Pai este filho é teu...
Meu marido só
só serviu pra que eu te desse um filho.
Tens obrigação comigo...
Assumiste todos os filhos
menos o meu?
Quer dizer que serei a única mãe solteira?
Vai me abandonar grávida?
Pai
como assim não podemos?
Podemos sim.
Sem que ninguém saiba.
Podemos sempre
às escondidas
muito bem disfarçados.
Ah, não?
Então quero que tu pague as fraldas.
Quero que tu pague a escolinha.
Quero que tu pague o carro.
E pague por minha mãe.
Quero que tu pague o diabo
que te farei amassar o pão.


Quero apenas que tu pague.

Participação de casamento


09 de agosto
um ano qualquer
Porto Alegre:
Sol e chuva casaram
Eu
sem cerimônia
até hoje
participo.



Nas horas vagas
sou boa menina...
O problema é que vivo ocupada!

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Crescemos ao perceber
que nunca passaremos de crianças.


Tende piedade de nós!



Cordero de Deus...
A Suprema Corte não dorme
redige.
A Suprema Corte não come

A Suprema Corte compara
alhos com bugalhos.
Eruditos proclamam
a inauguração de suas interpretações particulares.
E o mofo vai cobrindo Têmis
que ao lado chora por desuso
e passa a temer a todos.

Cordero de Deus...
Lágrimas não prescrevem.
Dor é qualquer coisa irrenunciável.
Hediondo é sempre trágico.
Não me obriguem...
Não me obriguem chover no molhado.
Como ficam as almas que reivindicam um corpo?
Famílias assoam injustiças
em um tapete grande, vermelho latino.


Conveniência – teu nome é Direito
!

Sem título para não comprometer

Continua beijando.
Sente o gosto cítrico de tomate que carrego.
Continua beijando.
E fala comigo daí.
Murmura
porque ecoa.
Fala daí.
Escutas o barulho do molhado
perdido entre as coxas onde naufragas.
Beija meus lábios
lembrando o gosto que tem minha comida.
E pensa como é quando estás com fome.
E cospe bem
cospe bem no prato que tu come.

domingo, 21 de setembro de 2008

Consenso


Chegaste aqui sem identidade.
Tu és um nome
que se apropria indebitamente de sobrenomes.
E serás sempre fadada aos restos.
Serás sempre estepe
pneu de estepe.
Aplaudem os meus segredos
enquanto o teu público cai na privada.
Estou dando descarga.
Não sofres de nenhuma doença
são elas que sofrem de ti.
E jamais poderás sequer me fazer sombra.
Te embebedarás em lágrimas
com alto teor alcoólico
e fumarás teus dedos
e envelhecerás todos os dias
mais e mais
e por dentro.
E serás tão ou mais estéril
do que sempre foste.
E não haverá o que fazer.
E te preocuparás
com a relevante cerca do vizinho
depois com as pulgas do vizinho.
E a mulher do mesmo que se cuide!
Serás sempre aquela que sobra.


És aquela coitada
cuja única coisa que minha felicidade pode sentir
é pena.

Caríssimo

A pior morte nos obriga a sepultar vivos.
Mais penosa que missa de sétimo dia
será o passeio ao supermercado.
Pior que percorrer inscrições nas lápides
será o terror dos corredores vazios
entre uma gôndola e outra.
Fantasma é o que assombra
fazendo questão de não aparecer.
Honestamente...
você vai preferir que tivesse morrido.
Você vai desejar que estivesse tão podre
quanto o abacate que te fazem pagar caro por ele.

Acúmulo


Minha vó parou de passar
e ficou acumulada de roupas.
Ela passava só a chorar.
A mãe de meu pai
passava a chorar.
E as lágrimas engomavam toda a razão.
E quanto mais passava mais chorava...
Minha vó perdeu meu tio no meio do vapor.
Nunca mais o achou.
E procurava e procurava.
O tio que eu mais gostava.
Meu tio único.
O tio que entre vários era sempre o único.
E todos nós passamos...
Para ajudar passamos a não vê-lo.
Todos mudaram daquele dia em diante.
Meu pai inaugurou os seus olhos
e minha vó passava a chorar.
Daquele dia
em diante tudo foi ferro.
Daquele dia em diante
o útero começou a morrer.
Até que um dia minha vó parou de passar!

História para não dormir

Ele da fronteira oeste
encontrou minha mãe na serra.
Sou neta de analfabeta
como diria o presidente -
desde que nasceu.
Outra avó
prostituta desde que alguém morreu.
Sou mãe de pelo menos uma menina
que desejo ter
com um homem com idade para ser meu pai.
(...) não quero que ninguém mais saiba desta história
ela é só nossa!


Ocupação

Eras hóspede...
Vieste senhora
em minhas dependências
te abrigaste
Achei que em breve partirias
mas ficaste
Sem minha licença...
maldida dor
de mim
me desistalaste.


À Deriva

É meu ego no volante das coisas
Por isso nego
depois exorto...
te tenho horror
Ando no limite do suspiro
deste sopro
e sofro.
Mal acabada...
Venho de fábrica assim
- sem a menor garantia.

É Deus que tem que acreditar em mim
e não o contrário!

sábado, 13 de setembro de 2008

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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Último aviso


Queria poder não te amar.
Qualquer coisa que explico sobre ti
me detesto.
Revirei tuas coisas.
Encontrei entradas e mais entradas
- tu não tem saída!
Acendi uma vela por ti.
Estou particularmente feliz.
O filme que passa
conta a história
de um poeta assassinado
morto duas vezes.
Uma parece que foi suicídio.
É 20 de março.
Queria nascer de novo.
Perdi o que estava dizendo...
Nada se resolve por decreto.
Desiste da Marina.
Ela nunca vai te amar.
- tu não tem saída.
Acho que estou me repetindo.
Acho que eu também não tenho...
Vou mandar a tua mãe às favas.
E nada de dedicatórias à Carolina.
Chega.
Prefiro te ver num filme pornô
a ler tuas cartas de amor.
Já disse
chega!

Nau

Tem um esqueleto de homem
pelo pescoço pendurado.
Canoa furada
afundada
fantasticamente infundada.
Meu tesouro
meus mapas...
um destino em garrafa.
Inexplicavelmente passageira
lá gosto
lagarteio à luz da florescente.
Em meio ao nevoeiro
inexisto.
Só me permito o ilimitado
de meu aquário.







À Deus


O tema de casa se debruça
sobre o que eu era.
No rabisco
árvores de copas carregadinhas.
Meu sol não era só
vinha acompanhado pela obviedade
de duas delas.
Freqüentemente vou pro balanço
mas equilibro...
Que prazer brincar com o ar
mesmo sabendo que ali descendo
nos obrigam a usar sapatos.
Mas já não basta estar pisando no chão?
Agora ando descalça o tempo todo.
Mas se eu subir
agora
a esta altura
sempre haverá alguém
dizendo não pode.
A janta está pronta.
As crianças correm...
Então entendo.
Educamos todos
para que abandonem o balanço...
Por isso não largo as cordas.


quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O poeta é

 aquele que toma emprestada a roupa velha do outro

 entra na festa ostentando traje novo

 sem ter sido convidado.

 


O que eu sou não vem 
e o sono também.

Devolução

No frágil papel

deixo o meu papel frágil

que a vida me deu

e a poesia nunca esqueceu.

INAPTA



Promovo uma escrita armada.
Aliada atriz incapaz de simular.
Só policio o que intenta a caneta.
Filha que casou com o pai.
Mãe do próprio marido.
Beijo oito focinhos por dia.
Quando em português pareço grego.
Há muito me abandonou o microfone.
Explode todos os dias um amigo.
Adversos encaminham os proclames.
O plantão mora lá em casa.
Abro a porta e encerro.
É madrugada que me acorda pra passear.
Não pretendo nome de rua.
Ando só de boca em boca.
Sempre que furiosa sou lúcida.
Quando sensata pareço louca.

sábado, 6 de setembro de 2008

Parada


Entrou mais alguém.

 Além de mim

 mais alguém

 e mais alguém

 e mais

 e mais...

 até não poder entrar ninguém.

 

 Nunca achei que teria tanto espaço. 

Tapete Vermelho

A tarde passou um filme de despedida.

Minha mãe dormia

cansada de ser mulher.

Chorei a sessão inteira

por me machucar sozinha.

Depois de contar até vinte...

Voltei e lá estava...

o parapeito baixo da janela

a jardineira embaixo da janela.

E embaixo da janela

eu.

Olhava admirada a altura do prédios

e é claro

 o porto.

Os prédios cresceram ainda mais

 enquanto o cais permaneceu ali

 no mesmo lugar

esperando que eu voltasse.

Cheguei nesta tarde e nada mudou.

Meus olhos descascaram

e as paredes choravam o mês de julho.

Depois de vinte anos

 passaram um a um os anos.

Imaginava antigamente como seria

se a janela decidisse cair comigo.

Tudo teria acabado bem antes dos vinte anos passarem.

Mas os vinte anos passaram

 e estamos eu e a janela de volta

uma diante da outra.

Depois de vinte anos

 ainda vivendo o mesmo dilema.

 

 

Virada


São os plátanos que iniciam o ano.

São suas gentis folhas que iniciam tudo.

Ali começa a colheita festiva dos próximos dias.

Piso sobre seus tapetes durante meses

 decorando um outono permanente.

A luz empresta ao ano

a possibilidade de sair trajado em terracota.

Nada de fogos

 nenhuma barulheira

 sem espumante

ou acidentes de trânsito.

 O começo deveria ser mais solene.

Comemorar com explosões o fim

 não o começo.

E se alguém que amo morrer no ano em que vibrei pela chegada?

Não me perdoaria.

A sobriedade dos plátanos prevêem tudo.

Pensamento cinza

Cigarro

e mais cinza.

Derrubo o cinzeiro

Bebo cinzano

Chega...

A máquina emperrou.

Saudades de Maria Joaquina

e de seus pêssegos.

Sonho ser autor um dia.

Desta tatuagem me arrependo.

Converti em letras minhas ânsias.

 A folha surpreende letras.

Insetos investigam a lamparina.

Apago a luz.

Lá se vão letras...

Continua esquisofrênica esta noite

que me confunde com outra.

 

Atenta


Sem acompanhamento

não percebo música de fundo.

Jamais seria composição.

Ninguém me nota

ninguém me nota...

Então como diz aquela letra

continuo caminhando e cantando...

mas ao invés de seguir

me resumo a um único refrão.

E ainda assim... ninguém me nota.

( Mas eu anoto tudo! )

 

 

Nós trágico

Árvore frondosa de sobrenome simples.

Herdo toda a insatisfação tua vó

trocada por uma gaiteira.

Na página seguinte – Linda de morrer...

a primeira esposa de meu pai.

Só não mais bela que minha mãe.

Lindas primas.

Quem diria...

dariam no que deram.

Cheio de vida

 o tio suicida casa

com a mulher que nunca amara.

 

Prefiro álbuns de figurinha.

 

Lá pelas tantas

 apareço...

bem mais honesta.

Saudades de uma irmã que ria de verdade.

... um incesto

 algumas mães solteiras...

A cada virar

tragédias sexuais.

O que não suporto é a pose

no papel pra bonito.

Gênia lógica

 que revela escondendo.

 

Depois de ti...


Minha preocupação é com as horas,

precisamente com os próximos vinte anos.

Estarei lá, bela, quase cinqüentona.

Mas e tu?

Chegarás aos oitenta?

Mais que a fraqueza das unhas, a reposição de hormônio,

a perda natural do meu vigor...

me preocupo com a tua vitalidade.

Continuarei com cabelo comprido pra disfarçar e,

certamente,

 até lá,

 uma prótese atenuará crises de depressão.

Já não serei tão vistosa...

Mas e tu?

Terás o mesmo ímpeto para levantar da cama?

Serás vigoroso fazendo amor?

Serás impetuoso ao levantar?

Ou já não levantarás mais?

Ou já não mais?

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Hoje muda


Bons tempos de paralisação.
Bons tempos
em que existia razão pra tudo.
Que bom estudar lá...
Já no tempo em que era só por dizer:
- Estudo no Julinho.
Protestos.
João Pessoa bloqueada.
A Brigada desobstruia ouvidos
e o trânsito ensurdecia.
Sirene
buzina.
Caos na Ipiranga.
Hoje tudo mudou.
Quem diria...
pra sempre a manifestante
presa ao Chefe de Polícia.

Herança



Um irmão pra lá de consumista
o outro um tanto negligente.
Uma mana metida a samaritana.
Um primo de amores impossíveis.
A língua que carrega uma tia afiada.
Como é difícil conviver
com a baixo-estima da mãe
com a confusão do tio
com o autoritarismo do pai
com a infantilidade da caçula.
Gritos
trejeitos
tiques e taques
desta gente
que ninguém suporta dentro de mim.

Reféns

Podia ter fugido
mas fiquei.
Podia ter corrido
mas cansei
Podia tanta coisa
que nem sei.

(...)
Podia tê-lo pego na saída da escola
como as avós de verdade.
Mas seqüestraram minha bondade.
Podia ter sido mãe de todos eles
mas não fui.
Não sou.

Não vou
além do papel.

Neste conto de fadas
as crianças envenenam a madrasta.

Zig-Zag


Tento despir as paredes.
Queria apertar um botão
e deixar a casa nua.
Mas não cessa a vontade de usar todas as peças.
Quando sinto passar frio alguma janela
costuro qualquer falta que as cortinas me possam fazer.
Tapo furos. Aceito novas encomendas.
Por isso quando me rasga
te retalho.
Fazemos pequenos reparos.
Compramos um novo tapete.

Mas voltamos a tropeçar na bainha.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Não se trata disso



Sou a menina que alimenta o gatinho da esquina.
Já sou quase uma senhora Balzaquiana.
Ainda ontem
no colégio me apaixonei.
Saudades da professora de geografia!
Varro folhas secas que caíram do vizinho.
Amo um homem velho e teimoso como meu pai
Sorrio com esforço todas as manhãs.
Se for feliz terei chegado com atraso.
Não caminho porque o medo paralisa.
Adio todos os dias minha partida.
Não consigo publicar minha insatisfação.
Rasgo papéis
arrumo gavetas
e a vida - alheia a tudo isso.

Cria


Adentra esta brancura.
Faz-me inquieta.
Fecundas palavras
no quase silêncio...
Rabisco o teu destino
e amasso meus planos.
Resto só e grávida.

Ausente

Menina desfilo
cantarolando qualquer coisa
como a vida desafinada.
Do outro lado da calçada
o futuro invejo.
Sei que aquele não é o tempo.
Mas nunca será.
É sempre desencontro.
Se no passado via o futuro
no presente o passado vejo.

Aparte

Parto para chegar
também ao sair...
Parto sempre deste pressuposto
que tudo é integrante do todo.
Penso tudo isso
apartada de mim...
Com vontade de partir
para única morte que não poderei chorar.
Gostar de viver é
às vezes
ter vontade de se matar .

Lá pelas tantas...


Pensei abreviar tudo.
Desisti.
Em direção contrária as setas
abraço o nada.
Levo paisagem.
Acabam-se as curvas.
Começo a cumprir
o ritual da grande reta.
Dizem que não se chega
a lugar nenhum.
Penso voltar.
E sem convicção

morro comigo!
Não agraciem a lápide
com uma inscrição bonita.
Prefiro a poeira nas ruas...
Não haverão vestígios de minha existência

(...)
só a notícia da tragédia em páginas de jornal.

Roda viva

... seriam os deuses implacáveis?
Doce roda gigante
a esmagar o alheio
...
(Errar é que é divino!)
Perdoar é humano.