Entre sem se perder...

domingo, 17 de julho de 2016

s.o.s.


Era cirúrgico...

Um rombo...

Emergência.

Perdia sangue.

Perdia tempo.

Perdia...

Caso de vida ou morte.

Incurável.

Então... o resgate...

Como mago

Operas a cura...

E mesmo longe

bastam palavras,

teus acordes...

pormenores poemas.

Cicatriza.

Toma minh'alma

como se tua fosse.

Costura minhas escamas.

Bastam bálsamos 

e unguentos sagrados.

Faz o melhor...

Promete que me busca.

3 dias

Só peço isso.
E por favor...
não almoça.
Não janta.
Come aí.
Resta dentro.
E te move pouco.
E prolonga.
Não fala de ti.
Não pede de mim.
Resta dentro.
E não te lava.
Reza,
porque sou altar.
Agradece,
porque farei o mesmo.
Chora,
mas não derrama...
Resta dentro.
Quando eu for
entenderás o sentido.
Eu vou,
mas tu,
resta dentro.

Oro Iná




Só hoje, eu queria

não te olhar torto.

Só hoje, eu queria 

que Obá me deixasse.

Só hoje, eu queria

deixar a feitiçaria...

Mas só hoje.

Só hoje, eu queria

não te seduzir.

Só hoje, eu queria

que Iansã me deixasse.

Só hoje, eu queria

deixar de ser guerreira.

Mas só hoje.

Só hoje, eu queria

sentir as dores do parto.

Só hoje, eu queria

que Oxum não me deixasse.

Só hoje, eu queria

meu corpo em ouro...

Mas só hoje...

porque ninguém engana 

a sua verdadeira natureza.



Kali Yê,

Egunitá!


segunda-feira, 11 de julho de 2016

Encantadora de serpentes

Pintura de Roberto Ferri - Itália



Não é transtorno

é magnetismo...

É a dança do gestual...

gemo entre as sílabas...

E tremo e me mordo

e arfo e sibilo...

e me curvo.

Sou um rito.

E te olho querendo.

E efetivamente...

E torno a me morder

e insinuo.

Não se transtorne...

não é transtorno...

E vivo em torno

e giro e rodopio...

E te digo...

Nunca mergulhaste...

Respira na umidade

e te afogarás.

Então, conhecerás água.

Não haverá memória de mulher.

Estou chegando...

E quando eu chego, 

venta.

Não como com talheres...

E estou sempre com fome...

e sede.

Não me verás vestida...

porque nasci nua...

Carrego comigo o cio de todas.

A luxúria é onde habita

a minha extrema unção.

Basta juízo.

Que a terra trema.

Que o planalto vire planície.

Estou chegando...

e há tântra, tântra,

mas tântra coisa a dizer.

Monocromática

Este inverno

fez nevoeiro.

Não pude olhar 

pra mim...

Vejo cataratas

caio cascatas...

Ando perdida de ti.

Na fumaça 

dessas noites...

Insones são os sons,

ansiosas as estrelas.

Durmo nebulosa.

Amanheço esperando

que a serração baixe

e o sol rache...

vindo do olho...

Do centro,

do furacão

virá a redenção.

Olha-me



Ao me encontrar...

não me abraça.

Respira profundamente.


Que eu não te ofenda...

deixe que eu chore.

E não me toca...

Por favor, 

eu te peço,

não me toca.

Perdi a pele

num incêndio.

Tentando salvar,

quase morri.

Só diz que és tu.

Só diz que eu errei.

Só me ensina o certo.

Só diz que todos os poemas

eram pra mim...

Só diz que todas as músicas.

Só diz o que preciso ouvir.

E deixa chover...

Por horas

só me assisti.

Que tu me vejas...

sem proteção.

Essa sou eu.

A verdade reflete

toda a minha timidez.

Traga-me água doce.

Traga-me o quanto puderes...

e tenhas paciência

em me hidratar...

Como o beija-flor,

trata-me em conta-gotas.

Quando sentires que é a hora...

Olha-me,

e só me diz que és tu.

domingo, 10 de julho de 2016

Carrossel

Ah, menino... atravessa a rua.
Volta menino.
Não vai longe.
Ah, menino...
Pra que cicatriz no rosto?
Pequeno, teu nariz inaugurou a mesa...
para a emoção de chamar a atenção.
Sempre foste assim, menino.
Não é de hoje...
Teu ciúmes vem de berço.
 Só devolvi tua emoção.
Te mandei pra paixão.
Agora, és refém de ti mesmo.
 Ah, menino...
 Não precisa fazer amor
com as primas para ter emoção.
Não precisa brigar
com outros meninos.
 Paramos de brincar de casinha...
e brincamos de pega-pega...
Se queres ser bandido...
 posso ser mocinha.
Não precisa embarques no aeroporto.
Não queres meninos, menino...
 Não gosta que mexam nos teus brinquedos?
 Um centauro não pode estar preso.
Mas teu cavalo anda em círculos?
Comes manteiga.
Não acredita em comercial de margarina...
Ganhaste irmãos?
Todo o amor pode ser dividido.
 Ganhaste uma filha?
Todo o amor pode ser dividido.
Ganhaste um sócio?
 Todo o amor pode ser dividido.
 Ninguém precisa trair para ter emoção.
 Não precisa charadas para ter emoção.
 Foste pego mentindo, menino.
 Apenas te repreendi.
Não abandona a escola, menino.
Ganhaste animais?
Todo o amor pode ser dividido.
 Ganhaste amigos?
Todo o amor pode ser dividido.
Ganhaste um ex-marido?
Todo o amor pode ser dividido.
 Ganhaste um palácio
para que tu brincasse de ser rei.
Preciso ir, menino.
Vou deixar a luz acesa...
Deus mora no travesseiro...
Dormirás de novo no meu útero.
Como o melhor sonho que sonhaste...
 Atravessa a rua, menino...
Olha pros lados...
Não vai ser atropelado?
Não mexe no interruptor.
Deixa a luz acesa.
Não briga com deus, menino.
 Não precisa palco para ter emoção, menino...
volta para a tua única plateia.
  Depois disso tudo
a morte é a única emoção que resta.
Se cruzares,
não te alcanço nunca mais.
A morte é a própria bipolaridade.
 Não deixe que te abduzam.
 Até o verdadeiro amor,
adoece de depressão.
Sentir emoção
 é uma maneira perigosa de viver...
Não se brinca com comida.
O amor é a tua fome.
Toda a ilusão existe menino,
basta que pra isso,
acreditemos nela todos os dias.
Assino, eu...
assassina tu.

sábado, 9 de julho de 2016

E se?



E se...
a noite tivesse me deixado? 
E se... 
o tapete fosse vermelho? 
E se... 
eu não tivesse acordado? 
E se... 
o mal tivesse me penetrado? 
E se... 
houvesse um filho no ventre? 
E se... 
ao atravessar a rua? 
E se... 
alguém vier me consolar? 
Não se deixa ninguém assim... 
Nem prostituta 
deixamos sem pagar... 
E se eu nos matar? 
Não se deixa ninguém assim... 
Que lindo... 
deixar todo mundo! 
Que lindo... 
abandonar criança! 
E se... 
é só desculpa? 
Eu não deixo ninguém... 

Nem mendigo, 
nem cachorro, 
nem velho... 

E eu não deixo deus, 
por isso deus não me deixa. 

Partida

Quando festa acaba...
Quando cadeiras pra cima...
Quando doença se instala...
Quando terra arrasada...
Quando unidade neonatal interdita...
Quando buffet revirado... 
Quando porta fecha... 
Quando esperança cai de moda... 
Quando resta nada... 
Quando última convidada se retira... 
Quando salão vazio... 
Quando poeira grossa... chego. 
Daí, eu chego. 
Sou sempre a última... 
quando lacrado... chego... 
Chego com pé de cabra... 
Vou embaixo do tapete, 
faxino. 
Quando mais nada... 
nem bebida, nem comida... 
Daí, eu chego... 
Quando lixeiras cheias... 
Daí, eu chego... 
Dou uma organizada... 
Faço voluntariado... 
violo domicílio... 
comemoro solidão... 
me meto... 
onde não chamada... 
e parto para o único 
parto possível...

Volta, volta bailarina...

Ah, menina...  
Há razão de ser pra tudo.  
Há uma caixinha aguardando você. 
 Há quem cultue teus calos, bailarina. 
Se chegares por aqui choverão sapatilhas, bailarina.  
Há alguém que toca
  apenas para que ouças.  
Silencia, menina.  
Ouve a engrenagem.  
Abre a caixinha vermelha. 
 Ela torna a interrogação uma clave. 
 Se doer, haverá quem te console.  
Ah, pequena bailarina...  
a vida é feita de muitos bailes.  
Na vida, 
se debuta todos os dias, bailarina...  
Na noite mais fria,  
só haverá um homem
 para te acompanhar,  
enquanto teus pés se afogam.  
Só haverá um homem, 
 meu amor, 
 pra te amar...  
E ele te amará pra sempre... 
ainda que feito de brinquedo. 
 Ele é maior que o brilho de qualquer anel. 
 De uma bailarina,  
a vida cobrará postura.  
Não permita tua coroa 
 posta de pernas pro ar.  
Solitária entre várias, 
tu te sentirás bailarina. 
 Dança, dança, dançarina...  
Dança o tempo que passa... 
 Segue teus próprios passos, 
 bailarina...  
Dança teu próprio destino...  
Aprenderás que saltar é 
tão importante quanto cair...  
Exausta...  
só haverá um lugar pra que descanse...  
e quando tu perderes a corda,  
docemente – ele – te acorda.  
E tu volta, volta.

Vocês...

Escrevo pra todos...
Queria dizer 
o que devo dizer
a cada um...
Então, me calo...
E no silêncio,
presto atenção ao resumo,
a história mais bem escrita.
Nunca soube como alguém
podia ser metade...
Olho sempre descrente...
E caminho
com medo de acordar.
Por isso, falo tão baixo. 
Mas é como se gritasse.
Queria dizer algo,
mas é como se 
não houvesse palavra.
É como se devesse 
haver outra língua.
É uma impossibilidade.
Dizer te amo,
não supre.
A eternidade, 
toda hora invade.
Queria dizer
que ganhei na loteria...
mas não.
Queria dizer 
que tive sorte...
mas não.
Tenho medo de acordar.
Então falo baixo, bem baixo...
Assim, continuo acreditando...
Queria falar com cada um deles
e me desculpar...
por não ter sido essa
que sou pra ti...
Então,
(...) cada vez que te olho,
peço perdão,
a cada um de vocês,
que habitam um único. 


Obrigada por ter nascido.

Canção para que eu morra




De ti espero 
vírgulas.... 
rascunhos passados à limpo, 
o teu singular pluralismo, 
a troca súbita de idioma. 
Algumas reticências? 
De ti espero 
um novo verso gestado, 
o teu último estado de melancolia, 
o meu desespero, 
supondo o que não existe. 
De ti espero, 
só de ti espero... 
a palavra não dita... o impronunciável. 
De ti aguardo paredes escritas, 
que tu componhas a última música. 
Eu aguardo na entrelinha... 
o que a vida escreve por linhas tortas. 
Ali reside a minha certeza... 
que já acordou ao lado da tua dúvida. 
Eu aguardo 
com que nota tu inicias um assunto. 
Nos teus braços, 
não só há sede de viver... 
me faz bem abraçar a morte. 
De ti espero 
um inusitado cotidiano, 
a exclamação que termina em ponto final!


Meu amor, 
feliz ano velho.

Saudades...



De brincar de casinha...
De conhecer o centro da América.
De esconder todos os teus botões.
Saudades...
Do jogo de bilhar 
que acabaria empate. 
Da toalha que deveria 
ter te feito cair. 
Da noite em que 
tu erraste de quarto. 
Da viagem 
que deveria ter cancelado. 
Do teu namoro desfeito. 
Do anel que podia arrancar 
o meu dedo. 
Sinto saudades das saudades 
que esqueci de sentir... 
Sinto que esqueci também... 
Algumas solitárias saudades 
que precisei morrer... 
Nostálgica... 
Da falta do teu nome nos papéis. 
Do tempo que perdi escrevendo 
pra quem não sabia ler... 
Desta coisa toda que não volta... 
Do meu hábito em descer... 
Da tua habilidade em fazer subir. 
Sinto... 
Ter dormido madrugada adentro 
em noites que eram para ser rito... 
Onde a única coisa íntima 
era eu - sentindo - tua falta.

No mar do amor sem fim




Era nascida da espuma do mar de Afrodite.
Deveria nadar no sêmen de Urano.
Mas a banhava com copos d´água.
Ressecava sua alma.
Subia aos céus a sua pele.
Ficavam evidentes suas escamas.
Agora no colo
o mar a visita por dentro.
Somente o grande Netuno 
respeitaria um tritão velho.
Então ela se curva
e nada contra a corrente.
Quem gosta de regiões abissais
precisa ser entregue a uma sereia.
Só elas são capazes
de resgatar os filhos da profundidade.
São poucas, são raras.
Quando se cultua pés,
não se pode desconhecer Aquiles.
Nadadeiras vão mais longe.
Oferece o oceano
e em retribuição
apenas amo.
Das coisas extraordinárias 
conta deus ter feito
um centauro se apaixonar 
por uma mulher-peixe.
Pra que ele pudesse amá-la
deveria sempre se ajoelhar.
Do amor dos dois...
nasceu um cavalo marinho,
ensinando aos machos
o quão delicados
podem ser.

(S)em cerimônia


A lua desceu.
Flores foram colhidas.
Não estávamos à rigor.
Foi ali que...
Sim.
Foi ali que... 
Tu também.
Não lembro o dia.
Não sei o mês.
Não assinamos.
Ninguém assistiu.
Foi sem testemunha.
A lua chegou
um pouco mais perto.
Foi migrando de minguante para...
Engravidando na nossa frente.
Tudo era midríase.
Algo aconteceu ali...
Não lembro a que horas.
Não recordo quanto tempo.
A lua virou apicultora
Na rua
o amor virou sem saída.
Senti medo.
Tu também.
Um velho desconhecido 
nos encontrou.
Não sei mesmo
em que noite.
Até porque se repete 
toda a noite...
Ainda que a lua se atrase
pra colher o mel.