Entre sem se perder...

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Amor à milésima vista


A década escorreu pelos dez dedos
das mãos que já eram tuas.
Perdão, mas...
A obviedade não perfaz o mistério.
Celebramos casamentos necessários,
funerais previsíveis.
À primeira vista nos enganamos,
e a segunda e a terceira...
Talvez tenhas olhado demais os meus pés
e visto pouco os meus olhos?
Não fomos honestos conosco,
mas também não fomos sinceros
com os outros...
Frente à frente
nos assustamos
com a própria imagem refletida.
Fugimos de nós mesmos.
Consagramos a ilusão,
o encontro sempre vestido para sair.
À deriva, nunca importa a direção.
Naufragamos em nossas próprias dúvidas...
As interrogações borraram o mapa,
cansaram a bússola.
Não se questiona
uma exclamação no peito
e um ponto final para o alento das pernas.
Mil vezes precisei te ver,
me ver, mil vezes, tu precisaste.
As cortinas se fecham...
O universo se recolhe
da odisseia que foi
nos fazer reconhecer.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Cigana


O vento que te aplaude
é minha brisa que insiste.
Só ao mar é permitido
brincar de ir e vir.
O cio de todas as fêmeas nos dá licença
pra que eu seja tua única crença.
Sou o encontro,
no entrecruzamento do ponto.
Chego quando nada basta.
Danço só quando me inundas.
Afino tuas cordas com as do universo.
Sou o fogo permanente.
Sou tua ideia recorrente.
Na barra da minha saia
nasce o teu jardim...
Ao afastar a relva
encontrarás tua única saída.
Percorre todas as linhas
te acidenta em todas as curvas.
Só aqueles que não dormem
sabem o que é sonhar.
O verbo é quem propaga o destino
 sem vontade de mudar.

Sandrarosa é o amor
que  insiste me desposar.

Enquanto esperava...
Nadei contra a maré,
Andei de marcha ré,
Perdi um tanto a fé,
Pensei em dar no pé,
E até...
Agora, diante de ti,
Tudo o que não era,
é...

Ladainha


Querendo oceano,
seca o choro.
Querendo colo,
resta no útero.
Querendo água,
bebe o líquido.
Querendo paz,
gera tumulto.
Querendo leito,
te dou meu riso.
Querendo beijo,
te abro os olhos.
Querendo fuga,
te guardo dentro.
Querendo areia,
te encastelo.
Querendo todas,
inventou una.
Querendo morte,
guardo tua vida.
Querendo doar,
me engravida.
Querendo a noite,
só dou a luz.

Toda a oferenda,
amar devolve.

Dona 7




Faço a fama,
deito logo na cama.
Mergulho no tolo.
De lodo,
limpo teu olho.
Chafurdo na lama. 
Amo quem odeia,
odeio quem engana.
Sou mistério, arcano...
de olhar, não me engano.
Sou desejo, desidério,
sou o portal do cemitério.
Não sou uma,
sou muitas senhoras,
senhora - de todas as horas.
Vago pelo campo-santo
Puno com o meu manto.
Sou tuas horas amadas.
Sou sete cruzes sagradas.
Sou sete cruzes ilhadas.
Senhora das encruzilhadas.

Senhora



Ao pisar, o chão reclama.

A porta é pedalada.
A palavra é incompreendida.
O gesto confunde.
O corpo gira.
É lá vem insurreição.
Descompromisso com tudo,
uma desfiliação.
Há todas as sedes,
menos a de poder,
e o próprio poder...
Porque tudo é, e não é.
É a insurreição que te convida
pra dançar nú,
diante do puritano.
Quero ser motim,
Quero ser desconforto.
Viva, como se morresse.
Há insurreição
no modo como faço amor;
na minha vontade de te dividir
e ser dividida.
Há insurreição
no desejo que tu proves,
e no meu, de ser provada.
Há sublevação quando
escrevo a mão,
apenas pra que conheça
a intimidade da minha letra.
Quero que te percas,
não nas minhas curvas,
mas nas minhas linhas.
Vocês dão importância,
pra aquilo que não tem.
Então, 
levanto a minha saia.
Há rebelião no fato de ser casada.
E só os velhos 
podem compreender outros velhos.
É insurreto desligar as antenas
e ligar a pineal.
Enquanto uns calam,
outros transbordam.
Enquanto uns correm, 
outros voam.
Enquanto tu dorme,
eu insônia.
O grito assusta,
porque é a voz de todos
aqueles que tem medo.
Sou oposição, paradigma,
senhora dos antagonismos.
Das coisas assustadoras,
nada é pior que o óbvio. 
Então,
levanto a minha saia.
Insurreto é meu credo,
a fé que eu professo.
Há muito mais rebelião
no ateu que pondera sobre deus.
E eu vou, antes que vente.

Ilê



Minha casa tem 7 linhas.
Arco que abriga 7 flechas.
Pra chegar...
se cruza 7 encruzas.
Habita o ponto, a reta,
e tudo vai além do plano.
Inicia a 4ª dimensão.
O círculo movimenta,
o símbolo fixa, 
a palavra propaga.
Dentro do quadrado
repousa o triângulo.
Cada elemento em forma.
Soa o suor do seu sino.
Sinal que inicia a nossa sina.
O cilindro de bater
faz vibrar o couro,
arrepia a pele.
Lá, se bate cabeça,
em respeito ao chão.
Minha casa de rezar
é lugar sem número.
Pra todos tem hora e dia.
Em geral se vem 
pela rua das dores.
Poucos conhecem atalho.
As paredes são de cair.
Formato,
roupagem,
modelos, 
ritmos,
arquétipos,
proporção.
Todas as doutrinas se reunem.
AUM- BAN -DAN
Espírito, cosmo, éter.
A casa é o miocárdio, 
é cada cardiomiócito,
é unidade cósmica.
De repente,
não há teto,
nem imaginação.
E a mais pura geometria, 
pode parecer ilusão.
Lá, se cumpre carma,
se voa sem asa 
e se vive sendo visto,
sempre fora da casa.