Entre sem se perder...

domingo, 23 de março de 2014

No dia em que te amarei pra sempre



Hoje,
o lado que ainda te pertence,
acordou florido.
Hoje,
ainda não nos separamos.
Onde estou,
folhas secas,
um prenúncio
de inverno longo.
Neste mês,
não paro de chover.
Precisei casar.
Que tu entendas.
Omites o teu rosto,
porque sabes que eu sei.
Não acredito em sorriso,
rede social.
Precisas voltar...
e isso requer
que curves a cabeça.
Precisas vir pro meu trópico.
Sai do continente.
Mergulha no atol tropical,
no verde musgo
que condena minha íris.
Vem lembrar
o sabor das minhas palavras.
Vem colher morangos com nata.
Preciso encontrar Atlântida.
Vem me emprestar fôlego.
Nunca estive tão amarela.
Vem que te mostro o outro lado do jardim.
Nestas coordenadas geográficas
se localiza o meu inabitável.
Admita,
em alguns mundos,
simplesmente não há gravidade.
O problema é que só eu sei.
Misto de generosidade e egoísmo.
Só eu posso dar.
Precisas voltar
porque sou a dona da bússola,
a que dirige sem freios.
Aquela que sabe o que queres,
e nem sabes que queres.
Há coisas horríveis a meu respeito,
que só eu sei.
Deixa eu dizer...
Celebra o equinócio dentro de mim.
Faz esse existir valer a pena.
Vem encontrar sentido no que escrevo.
O outono há anos já havia predito:
Todos os vinte e uns de março
eu te recordarei,
e tu jamais me esquecerás.

Transbordando



O arrastão sonha
seus próprios tesouros.
Amores blues
em cânticos de sereia.
A metade peixe de toda a mulher
frequenta o vapor do fogo.
Nossa outra parte
toma banho de vento
em noites cheias e eternas.
Quebra onda e paradigma.
Do mar de dentro,
rebentação.
Somos nós,
cavalgando nossa própria solidão.
Inventamos mitos e contos
lindos de acordar.
O tempo é o desperdício de inventar
a melhor mentira pra que se acredite.
Se meus olhos te veem,
secam minhas escamas.
Passamos a temer tsunamis.
Em gotas,
te oceano mais uma vez.
Trocamos águas passadas,
mágoas e confidências.
O mar até leva,
aquilo que não se pode dar conta.
Como ostra
me embalo pra presente.
De grão em grão
vou transformando tudo
neste aperolado modo de sobreviver.
Sigo afeita ao pranto mais belo.
Ao invés de fazer amor,
inundo o teu barco,
na esperança de que
tu afundes comigo.
Salve o sal da tua saliva!
Oferendam-se breves alegrias,
à ondinas e nereidas
que te cercam
quando te banhas em mim.
Não há nada nesta fábula de existir
que lembre tristeza ou depressão.
Vivo parecendo uma afogada,
porque o canto de qualquer Iara
é puro choro e lamento.

Lilith


Derramo poluções
em cavalgadas noturnas.
Vou onde a língua pode chegar.
Lua negra do teu olhar.
De mim nasce certeza,
pra ti, desconfiança.
Sou coruja,
senhora dos ângulos.
Morcego,
que dorme virado pra baixo.
Sou o adultério,
a que vem antes de todas,
a que não se resigna,
a insurreição,
a eterna rebelião.
Eu, tua verdadeira
expulsão do paraíso.
A discussão sobre qual posição.
Queres o que tenho,
dá-me o que tens.
Eu sou o teu tropeço.
A boca na maçã.
O banho de esperma.
Não tenho imagem.
Sou o que imaginares,
vibrando lá embaixo.
Sou a frivolidade
deste teu existir.
Sou a tua vaidade,
pensando que és superior.
Sou o teu orgulho,
pensando que comes.
Sou tua falta de fé no amor.
Sou o materialismo do teu saber.
A sensualidade irresistível.
Sou mulher escarlate.
Sou uma vagina aberta,
um coração fechado.
Calar... pra mim é consentir.
Dá-me o teu corpo cavernoso
que te mostro o que é castração.
Abrindo-se os portais do inferno,
verás que sou capaz de gerar...
uns súcubus, outros íncubus.
Sairemos juntos para passear
em noites minguantes,
inundadas de menstruação.

terça-feira, 4 de março de 2014

Vestida de Magenta



Nasci na décima segunda casa
duma estrada longa, sinuosa.
Enxergava a montanha imóvel,
a quietude de pedra.
Tentei nascer antes...
então, aparentava repouso.
Desfrutei da imobilidade
dos filhos da rocha.
Inaugurei pro mundo
onde as camadas de terra
são mais evidentes.
Comigo nasceram 
outros filhos do mar remoto. 
Então a luta do rochedo e do mar,
do movimento e da imobilidade.
Nasci com uma disfunção congênita.
Meu coração é quem pensa
e meu pensamento é quem sente.
Minha ama de leite trouxe-me 
o racional concentrador.
Sentadinha estava
no trono do conhecimento.
Ganhei o telúrico puro, 
o princípio feminino cósmico.
Virei uma moça belicosa.
Concentro e expando o raciocínio.
Sou onda,
radiação magnética alternada.
Sou afixadora, concentradora,
sagaz observadora.
Conserto pára-raios.
Pendo total para azul,
ora para o vermelho.
Sou cor-pigmento,
primária.
Cor-luz, secundária...
Sou mais de uma faixa no espectro.
Sou a pura ilusão dos teus olhos.
Sou um jardim, 
vestido para jantar de carmim.
Por isso não provoque...
Não tenho que ter coragem
pra te amar,
tenho que ter coragem
pra te esquecer.

A Prostituta Sagrada


Desfila a sabedoria no lugar dos quadris.

A existência entoa um hino de louvor telúrico.

Decidiu viver como quem declama poemas.

Triunfa acesa, transformando onde pisa em altar.

Guarda incógnita toda a sua obviedade.

Reflete no corpo a beleza d' alma.

Por ser pura, seus pés são filhos d'água. 

Ela permitirá os lábios como quem abre a cortina.

Afastará as pernas com quem confessa um segredo.

É resignada para que a obra seja edificada.

Intercala a serenidade de um vulto

com a impaciência de uma torrente.

Seus dons são sustentados por gerações.

Doa-se para que o mundo lhe retribua.

Não se sujeita a paixões, nasceu para amar.

Não pode ser de ninguém, pertence ao mistério.

Possui toda a sofisticação da simplicidade.

Tu és a face eterna do feminino.

Divindade humana, encarnação do amor.

Arquétipo da grande-deusa provedora.

Cumpre demanda por pura devoção ao que é.

Celebra a dança do espírito no sexo.

Conecta-se com a emanação natural do amor divino. 

Viva senhora, suas quatro fases.

Venerável recoberta de estrelas.

Revelação espiritual extraída do âmago do erotismo.

Vive deusa o culto ao deus-falo.

Tu que abrigas dentro de ti a união dos opostos.

Tu que mesclas a candura com a sagacidade da amante.

Portentora do orgasmo sagrado.

Doa-te integralmente, sendo inteira para todos.

Incognoscível, és a vocação maior.

No masculino encampa tua metade-total.

Senhora de mil faces.

Senhora de mil nomes.



Teu nome lembrará a prata.

Teu nome lembrará a selva.

Teu nome,

o som da própria serpente.

Agnus Dei



Sendo ela, belo carneiro,


tentou ele, por as mãos - matreiro - 


sobre as coisas do Cordeiro.




Lobo, covarde em provar,

pede a ovelha negra pra tentar

o que é impossível arrebanhar. 



Tomaram-na por maldita.

Sabe que pra suportar desdita,

só não se pode ser cabrita.



(3+0+0+6+2+0+1+2=1+4=5)


Romance Árabe


Caía a noite embriagada...

O horizonte sobre a linha

anotou por anos

o que ele notou

do que ela não disse.

Cintilava uma eloquência.

Misto de calma e manifestação.

Toda a verve, impaciência.

Blasfemou sobre a beleza

que ofendida passou a vagar...

Ofereceu camelos,

ela, tratado de Alquimia.

Recitou-lhe o Corão,

ela se dizia de Alexandria.

Ofertou-lhe um turbante,

ela se recusou a cobrir o terceiro olho,

que ele não enxergava.

Em segredo,

a levou pra tenda,

mas como poesia,

deveria ser lida em voz alta.

A beleza sempre ofende a Medina.

Deu-lhe água,

atravessava um deserto sozinha,

por isso vivia em tempestade.

Musa de sílica,

era o verdadeiro tesouro d' areia.

Quem diz que a ama,

é digno de oásis.

Pra prosseguir viagem,

deve-se crer em miragem.