Entre sem se perder...

sábado, 23 de agosto de 2008

Apavorada


Dentro da casa mora o meu vazio
sem mobília.
Mora a vontade sem fim de ocupar as coisas
de pintar qualquer parede.
Dentro da casa vivem
amantes apaixonados
casamentos desfeitos
o bebê que morreu.
Meu fantasma se nega a habitar a tal casa.
E ele persegue minha força com seu medo.
Apavoram-me as histórias que não são minhas.
Histórias de amantes apaixonados
casamentos desfeitos
bebês mortos...
Não necessariamente nesta ordem.
Estas histórias não me pertencem
mas me assustam.

Dor de venezianas abertas

Debruço a dor sobre a janela.
Entoa meu canto mais triste.
E a tristeza cantada deixa tudo lá fora contente.
Tão belo que é de se ouvir o cantar dos que sofrem.
E a beleza aplaude a dor que escapava por entre a fresta.
Lá fora a vida segue
as coisas cumprem seu papel.
Pequena perto do que vejo.
Basta sentir o perfume do jasmim
e me torno grande.
Mas não se trata de generosidade do jasmineiro.
Pra se sentir feliz nem é preciso se pôr a janela.
Ás vezes, é possível ver através das paredes.

Ave!


Abro-as pra que possas alçar vôo.
Afasto devagar.
Pousa doce bico
às voltas desse néctar.
E passa passarinho.
Faz desta fenda
pra sempre teu ninho.

Amarga

Ele passa
e sinto frio.
Ele quente
e sinto frio.
Ele forte
e sinto frio.
É revigorante.
Eu fraca, sem açúcar.
Quantas vezes passei café pra dar sentido a cozinha...

O Mapa do Anjo



Olho teu olhar velho anjo menino
Examino como quem examinasse
a anatomia destas ruas que são tuas...

(E por serem tão exclusivamente tuas, são também minhas!)

A dor infinita que sinto
é a dor das ruas de Porto Alegre
que te lembram tomado pelo sol de Mario na Alfândega.

Sempre me busco na esquina do teu verso.
São em tuas paredes que vejo as tais nuanças.
Tornei-me uma destas tantas moças bonitas
das ruas em que não andas mais.
(Mas às cinco - horário dos anjos - brincas em frente a casa com teus cataventos).

Quando eu for, um dia desses,
Assim como és...
As próprias ruas deste porto
Serei visível só pra àqueles que podem ver o nada.

Que faz com este ar seja o teu olhar
Suave inscrito misterioso
Cidade agora de meu andar

(Deste nem tão longo andar) a acompanhar teu consagrado repouso...

Lá fora é dentro


Em dias de névoa
pra onde voam os pássaros?
Em dias de rigoroso inverno triste
cumprimentamos os mendigos
mais chegados.
Às vezes nubla qualquer coisa.
Só em mim.
As cores trajam sofisticadas capas de chuva e saem pra passear na neblina .
Parece como ir ao sepultamento de um ex-namorado.
A fumaça fala por minha boca
tudo o que em mim se condensa.
Só se pensa poder voltar pra casa anos atrás
onde o fogão à lenha cozinha uma longa expectativa de neve na panela de pressão.
A manta se enrola desejando abraços.
Nos preparamos pra dormir
enquanto Deus compõe
fundos pra dias de chuva.
E a beleza nos pretende enganar
se vestindo com outra roupa.