Entre sem se perder...

sábado, 6 de setembro de 2008

Parada


Entrou mais alguém.

 Além de mim

 mais alguém

 e mais alguém

 e mais

 e mais...

 até não poder entrar ninguém.

 

 Nunca achei que teria tanto espaço. 

Tapete Vermelho

A tarde passou um filme de despedida.

Minha mãe dormia

cansada de ser mulher.

Chorei a sessão inteira

por me machucar sozinha.

Depois de contar até vinte...

Voltei e lá estava...

o parapeito baixo da janela

a jardineira embaixo da janela.

E embaixo da janela

eu.

Olhava admirada a altura do prédios

e é claro

 o porto.

Os prédios cresceram ainda mais

 enquanto o cais permaneceu ali

 no mesmo lugar

esperando que eu voltasse.

Cheguei nesta tarde e nada mudou.

Meus olhos descascaram

e as paredes choravam o mês de julho.

Depois de vinte anos

 passaram um a um os anos.

Imaginava antigamente como seria

se a janela decidisse cair comigo.

Tudo teria acabado bem antes dos vinte anos passarem.

Mas os vinte anos passaram

 e estamos eu e a janela de volta

uma diante da outra.

Depois de vinte anos

 ainda vivendo o mesmo dilema.

 

 

Virada


São os plátanos que iniciam o ano.

São suas gentis folhas que iniciam tudo.

Ali começa a colheita festiva dos próximos dias.

Piso sobre seus tapetes durante meses

 decorando um outono permanente.

A luz empresta ao ano

a possibilidade de sair trajado em terracota.

Nada de fogos

 nenhuma barulheira

 sem espumante

ou acidentes de trânsito.

 O começo deveria ser mais solene.

Comemorar com explosões o fim

 não o começo.

E se alguém que amo morrer no ano em que vibrei pela chegada?

Não me perdoaria.

A sobriedade dos plátanos prevêem tudo.

Pensamento cinza

Cigarro

e mais cinza.

Derrubo o cinzeiro

Bebo cinzano

Chega...

A máquina emperrou.

Saudades de Maria Joaquina

e de seus pêssegos.

Sonho ser autor um dia.

Desta tatuagem me arrependo.

Converti em letras minhas ânsias.

 A folha surpreende letras.

Insetos investigam a lamparina.

Apago a luz.

Lá se vão letras...

Continua esquisofrênica esta noite

que me confunde com outra.

 

Atenta


Sem acompanhamento

não percebo música de fundo.

Jamais seria composição.

Ninguém me nota

ninguém me nota...

Então como diz aquela letra

continuo caminhando e cantando...

mas ao invés de seguir

me resumo a um único refrão.

E ainda assim... ninguém me nota.

( Mas eu anoto tudo! )

 

 

Nós trágico

Árvore frondosa de sobrenome simples.

Herdo toda a insatisfação tua vó

trocada por uma gaiteira.

Na página seguinte – Linda de morrer...

a primeira esposa de meu pai.

Só não mais bela que minha mãe.

Lindas primas.

Quem diria...

dariam no que deram.

Cheio de vida

 o tio suicida casa

com a mulher que nunca amara.

 

Prefiro álbuns de figurinha.

 

Lá pelas tantas

 apareço...

bem mais honesta.

Saudades de uma irmã que ria de verdade.

... um incesto

 algumas mães solteiras...

A cada virar

tragédias sexuais.

O que não suporto é a pose

no papel pra bonito.

Gênia lógica

 que revela escondendo.

 

Depois de ti...


Minha preocupação é com as horas,

precisamente com os próximos vinte anos.

Estarei lá, bela, quase cinqüentona.

Mas e tu?

Chegarás aos oitenta?

Mais que a fraqueza das unhas, a reposição de hormônio,

a perda natural do meu vigor...

me preocupo com a tua vitalidade.

Continuarei com cabelo comprido pra disfarçar e,

certamente,

 até lá,

 uma prótese atenuará crises de depressão.

Já não serei tão vistosa...

Mas e tu?

Terás o mesmo ímpeto para levantar da cama?

Serás vigoroso fazendo amor?

Serás impetuoso ao levantar?

Ou já não levantarás mais?

Ou já não mais?