Entre sem se perder...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Degraus

Da série "Minhas Escadas". Fotografia de Carlos Osório - Porto Alegre/RS

Nenhum deles sabia
quem por ali passava...

Se o que julga
arquiteta
advoga
ou todos em comitiva.


Se neto
pai
filho
ou espírito solto.


Passou por ti vários de mim.

Crescendo percebi
que não eras assim grande...
assim como te pensava
interminável...

Ah
aglomerado justaposto de concreto
(...)
quando te penso
 amoleço.

Por tua culpa
aprendi a subir correndo
sem corrimãos.

Alguns de grão em grão
eu de grau em grau. 

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Presença

Photo by Carlos Osório/Brazil

Inclina-se a reverência sincera das copas.
O céu espia tímido a manhã.
Corre homem-mariposa...
exausto
 perseguindo raios.
Debate-se com a prova que o cega.
Dança às voltas da incandescência.
Morre com o disparo
que aprisionou Deus pra sempre.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Imputabilidade

Nos dias em que acordo eu
meu quarto o sol inunda.
Convenço as pinceladas de Van Gogh
a mudarem a direção.
Planto girassóis a noite.
Borboletas douradas cerciam a liberdade 
de ir além do jardim das delícias. 
Semana passada
me despejaram do castelo de areia.
Moro numa casa descascada
no alto de uma nuvem.
Lá não há teto para sonhar
e todo o chão que piso
não é afeito a psicotécnicos.  

Lascívia

Sou este rosto em meio ao vermelho
afogado em repentes.
Sou pinceladas de batom displicentes
no teu colarinho.
Sou esta despreocupada.
Olhos grandes
cansados de comer no lugar da boca.
Sou este abandono calculado.
Sou tudo aquilo que desejares
pelo menos duas horas por dia
todos os dias
a cada dia.

sábado, 10 de julho de 2010

Primeira Pessoa do Plural



As procuradoras passaram a ser procuradas.
Entoamos cânticos de hematomas aos filhos.
Adotamos para que adotem nosso sofrimento.
Paramos o carro e mijamos no morador de rua
debaixo da marquise dos olhos de todos.
Grafitamos o muro das imoralidades
todas as noites.
Quem nunca saiu no tapa com a mina?
Quem nunca esquartejou a mina?
Quem nunca trancou sua Richthofen
em regime fechado e a impediu de atuar?
Tempos modernos
de se engravidar do especialista
em reprodução humana.
Twitamos o nosso assassinato
centenas de vezes.
Pelo orkut
estupramos uma amiga
com hora marcada
esses dias.
Botamos fogo no índio
pensando que ele era mendigo
pensando que éramos filhos de deputado federal.
Mandamos as crianças para a catequese
para que eretos as ensinem a ajoelhar.


Nós, só nós...
sozinhos
fizemos tudo isso.








sábado, 3 de julho de 2010

Mundo das Maravilhas

Jogava cricket
num dia de Alice
quando quase perdi a cabeça.
Sei muito bem Senhor Gato
que estou atrasada
mas quem deveria me interpelar
era o relógio...
ou seria o coelho?
Quem é você?

Porque eu sei quem sou!

E se for o Senhor Carrol...
saiba que não escreverá sozinho a minha história. 

Caminhar de Carolina



Caminhar de Carolina

Com o seu caminhar de coral
Carolina
percorre as colunas
da classe.

O coral de Carolina
colore a classe de cor,
torna Carol a menina.

E a lua, vendo aquela cor
coral nos pés de Carolina,
põe no colo da classe

sua cara corada de menina.

Cecilia contaria.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Batismo




Carrego comigo a carga de todas as fêmeas

a indigestão de todas as raças

o mal estar de todos os tempos.

Não deixo nada guardado.

São os segredos que me despejam

me expõe

me botam pra fora.

Não digiro nada direito.

E sofro ao pensar

que tudo está bem.

Prefiro a fome

porque a cegueira não mata.

Pensar que o mundo são só partículas

é morar na zona de conforto.

É preciso muita fé

pra ser materialista.



Este poema dedico ao ateu

que ontém

enterrei rezando.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Desnudando

Estamos Marias e Josés
mas não somos Josés
nem Marias.
Estamos
mas não somos.
Vestimos roupas emprestadas
roupas perecíveis.
Roupas que aguardam
serem guardadas
num luxuoso armário de madeira
também sem importância.
Aguardamos o dia solene
do abrir e fechar
sem chaves.
E pela passagem secreta
alguns descobrirão
o fundo do armário.
Alguns acenderão a luz
outros demorarão
a encontrar o interruptor.
Não choro por aqueles que perderam a roupagem.
Choro sempre pelos apegados demais
as próprias vestes.

domingo, 13 de junho de 2010

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Entre: a porta está sempre encostada...




Gira na luz



Sou moça faceira.
Vivo só pra te agradar.
Meu mundo é um pandeiro
onde costumo dar as cartas.
Meu cabelo
sete saias.
Meu rumo
sete estradas.
Meu banho
é noite de fogueira.
Meu olhar beija o nada
e a boca vara madrugada.
Abri mão do futuro
pra ter destino.
Chego na ponta do pé
te conheço com a palma da mão.
Sou vulto
sou pouca, sou muita...
Não sou casta
mas posso ser santa.
Sou Samara
Mara.
Sou Nadjanaíra
sou Nadjara.
Se pensa que sou uma
te engana.
Sou ente.
Em meio ao tudo
sou alma cigana.

https://www.youtube.com/watch?v=_dHkGUPfi5g

quarta-feira, 24 de março de 2010

Nem tudo o que reluz...


Pensava na mãe da minha mãe
vestida para matar
não descosturada
desabotoada.

Quando soube
a vi entre plumas
em meio a névoa
e não sentada na calçada.

Achava que bebia Martini
não cachaça.

Pensava nela
disputada por uma legião
não abandonada.

Imaginava seu colo nú
não seu ventre vazio.

Pensei nela coberta de ouro
e não descoberta.

Imaginei tudo diferente...
Agora que sei
há coisas que ainda
 não consigo imaginar.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Caneta desapontada

Usei toda a força que tinha.
Usei toda a força que tinha
só pra amar.

Depois usei toda ela
e continuei amando.

Depois usei além dela
pra deixar.

Depois usei o que podia
pra continuar...

Depois
esquecer.

Agora
o que restou
sem força
uso.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Mal-me-quer


É fácil entender...
É fácil viver a simplicidade da margarida.
Promessa de amor.
Promessas de previsão bem plantadas.
Obviedade que brota da terra.
Amei um homem
 que só amava margaridas óbvias
 repletas de brancura.
Margaridas previsíveis
que se submetem a adivinhação barata...
Condenadas a sorte de só dizer a verdade.
Amei um homem entre muitos.
Este não sabia
 o quão genuínos são os trópicos.

Morrera sem saber.

 

Como outros tantos
não sabia que frágeis somos nós
que por natureza nascemos
desprovidas de chão.