Entre sem se perder...

sábado, 9 de julho de 2016

E se?



E se...
a noite tivesse me deixado? 
E se... 
o tapete fosse vermelho? 
E se... 
eu não tivesse acordado? 
E se... 
o mal tivesse me penetrado? 
E se... 
houvesse um filho no ventre? 
E se... 
ao atravessar a rua? 
E se... 
alguém vier me consolar? 
Não se deixa ninguém assim... 
Nem prostituta 
deixamos sem pagar... 
E se eu nos matar? 
Não se deixa ninguém assim... 
Que lindo... 
deixar todo mundo! 
Que lindo... 
abandonar criança! 
E se... 
é só desculpa? 
Eu não deixo ninguém... 

Nem mendigo, 
nem cachorro, 
nem velho... 

E eu não deixo deus, 
por isso deus não me deixa. 

Partida

Quando festa acaba...
Quando cadeiras pra cima...
Quando doença se instala...
Quando terra arrasada...
Quando unidade neonatal interdita...
Quando buffet revirado... 
Quando porta fecha... 
Quando esperança cai de moda... 
Quando resta nada... 
Quando última convidada se retira... 
Quando salão vazio... 
Quando poeira grossa... chego. 
Daí, eu chego. 
Sou sempre a última... 
quando lacrado... chego... 
Chego com pé de cabra... 
Vou embaixo do tapete, 
faxino. 
Quando mais nada... 
nem bebida, nem comida... 
Daí, eu chego... 
Quando lixeiras cheias... 
Daí, eu chego... 
Dou uma organizada... 
Faço voluntariado... 
violo domicílio... 
comemoro solidão... 
me meto... 
onde não chamada... 
e parto para o único 
parto possível...

Volta, volta bailarina...

Ah, menina...  
Há razão de ser pra tudo.  
Há uma caixinha aguardando você. 
 Há quem cultue teus calos, bailarina. 
Se chegares por aqui choverão sapatilhas, bailarina.  
Há alguém que toca
  apenas para que ouças.  
Silencia, menina.  
Ouve a engrenagem.  
Abre a caixinha vermelha. 
 Ela torna a interrogação uma clave. 
 Se doer, haverá quem te console.  
Ah, pequena bailarina...  
a vida é feita de muitos bailes.  
Na vida, 
se debuta todos os dias, bailarina...  
Na noite mais fria,  
só haverá um homem
 para te acompanhar,  
enquanto teus pés se afogam.  
Só haverá um homem, 
 meu amor, 
 pra te amar...  
E ele te amará pra sempre... 
ainda que feito de brinquedo. 
 Ele é maior que o brilho de qualquer anel. 
 De uma bailarina,  
a vida cobrará postura.  
Não permita tua coroa 
 posta de pernas pro ar.  
Solitária entre várias, 
tu te sentirás bailarina. 
 Dança, dança, dançarina...  
Dança o tempo que passa... 
 Segue teus próprios passos, 
 bailarina...  
Dança teu próprio destino...  
Aprenderás que saltar é 
tão importante quanto cair...  
Exausta...  
só haverá um lugar pra que descanse...  
e quando tu perderes a corda,  
docemente – ele – te acorda.  
E tu volta, volta.

Vocês...

Escrevo pra todos...
Queria dizer 
o que devo dizer
a cada um...
Então, me calo...
E no silêncio,
presto atenção ao resumo,
a história mais bem escrita.
Nunca soube como alguém
podia ser metade...
Olho sempre descrente...
E caminho
com medo de acordar.
Por isso, falo tão baixo. 
Mas é como se gritasse.
Queria dizer algo,
mas é como se 
não houvesse palavra.
É como se devesse 
haver outra língua.
É uma impossibilidade.
Dizer te amo,
não supre.
A eternidade, 
toda hora invade.
Queria dizer
que ganhei na loteria...
mas não.
Queria dizer 
que tive sorte...
mas não.
Tenho medo de acordar.
Então falo baixo, bem baixo...
Assim, continuo acreditando...
Queria falar com cada um deles
e me desculpar...
por não ter sido essa
que sou pra ti...
Então,
(...) cada vez que te olho,
peço perdão,
a cada um de vocês,
que habitam um único. 


Obrigada por ter nascido.

Canção para que eu morra




De ti espero 
vírgulas.... 
rascunhos passados à limpo, 
o teu singular pluralismo, 
a troca súbita de idioma. 
Algumas reticências? 
De ti espero 
um novo verso gestado, 
o teu último estado de melancolia, 
o meu desespero, 
supondo o que não existe. 
De ti espero, 
só de ti espero... 
a palavra não dita... o impronunciável. 
De ti aguardo paredes escritas, 
que tu componhas a última música. 
Eu aguardo na entrelinha... 
o que a vida escreve por linhas tortas. 
Ali reside a minha certeza... 
que já acordou ao lado da tua dúvida. 
Eu aguardo 
com que nota tu inicias um assunto. 
Nos teus braços, 
não só há sede de viver... 
me faz bem abraçar a morte. 
De ti espero 
um inusitado cotidiano, 
a exclamação que termina em ponto final!


Meu amor, 
feliz ano velho.

Saudades...



De brincar de casinha...
De conhecer o centro da América.
De esconder todos os teus botões.
Saudades...
Do jogo de bilhar 
que acabaria empate. 
Da toalha que deveria 
ter te feito cair. 
Da noite em que 
tu erraste de quarto. 
Da viagem 
que deveria ter cancelado. 
Do teu namoro desfeito. 
Do anel que podia arrancar 
o meu dedo. 
Sinto saudades das saudades 
que esqueci de sentir... 
Sinto que esqueci também... 
Algumas solitárias saudades 
que precisei morrer... 
Nostálgica... 
Da falta do teu nome nos papéis. 
Do tempo que perdi escrevendo 
pra quem não sabia ler... 
Desta coisa toda que não volta... 
Do meu hábito em descer... 
Da tua habilidade em fazer subir. 
Sinto... 
Ter dormido madrugada adentro 
em noites que eram para ser rito... 
Onde a única coisa íntima 
era eu - sentindo - tua falta.

No mar do amor sem fim




Era nascida da espuma do mar de Afrodite.
Deveria nadar no sêmen de Urano.
Mas a banhava com copos d´água.
Ressecava sua alma.
Subia aos céus a sua pele.
Ficavam evidentes suas escamas.
Agora no colo
o mar a visita por dentro.
Somente o grande Netuno 
respeitaria um tritão velho.
Então ela se curva
e nada contra a corrente.
Quem gosta de regiões abissais
precisa ser entregue a uma sereia.
Só elas são capazes
de resgatar os filhos da profundidade.
São poucas, são raras.
Quando se cultua pés,
não se pode desconhecer Aquiles.
Nadadeiras vão mais longe.
Oferece o oceano
e em retribuição
apenas amo.
Das coisas extraordinárias 
conta deus ter feito
um centauro se apaixonar 
por uma mulher-peixe.
Pra que ele pudesse amá-la
deveria sempre se ajoelhar.
Do amor dos dois...
nasceu um cavalo marinho,
ensinando aos machos
o quão delicados
podem ser.

(S)em cerimônia


A lua desceu.
Flores foram colhidas.
Não estávamos à rigor.
Foi ali que...
Sim.
Foi ali que... 
Tu também.
Não lembro o dia.
Não sei o mês.
Não assinamos.
Ninguém assistiu.
Foi sem testemunha.
A lua chegou
um pouco mais perto.
Foi migrando de minguante para...
Engravidando na nossa frente.
Tudo era midríase.
Algo aconteceu ali...
Não lembro a que horas.
Não recordo quanto tempo.
A lua virou apicultora
Na rua
o amor virou sem saída.
Senti medo.
Tu também.
Um velho desconhecido 
nos encontrou.
Não sei mesmo
em que noite.
Até porque se repete 
toda a noite...
Ainda que a lua se atrase
pra colher o mel.



Maio, 15


.

Quero se Laura
Como uma viagem sem retorno.
Queria ser ela.
Pra te arrancar um sorriso.
Queria ser Laura.
Pra que tu...
irremediavelmente feliz.
Eu queria...
Eu queria ser Laura...
Com toda a sua aura
Eu queria...
ser a menina dos teus olhos.
Eu queria ser Laura...
Apenas pra que tu
acordasse pai.
Apenas pra que tu
esta manhã...
Eu queria ter olhos de sorrir.
Queria ser Laura.
E o mundo era perfeito.
Se houvesse uma flor
que abrigasse o perfume dela
eu me faria essência...
Queria ser Laura
pra que tu...
se encontrasse contigo.
Como sou afeita
a certos mistérios...
poderia fazer surgir uma Lara...
mas ainda assim,
uma única letra...
faria diferença pelo resto da vida.

O Príncipe de Vidro



Histórias frágeis
trincam qualquer coisa.
Rompe fora.
É quebra adentro.
O imperador reina
 atrás da vidraça.
 Aguarda pedra,
 aguenta perda.
 Ama transparência.
 Há uma inflexibilidade 
no que é translúcido.
Átomos se divorciam. 
O amor junta pedaços. 
Quem arrasta o ato... 
resta caco.
O regente reúne-se 
com seus estilhaços. 
A menor partícula
 faz sangrar. 
Imagens de vidro 
precisam de base. 
O equilíbrio do cálice
 é a haste. 
O sonho do cristal 
é suportar grito. 
Pra isso...
 alguns nascem temperados.
 O ar 
é o que mantém o fogo.
 Até a chama respira.
 Volte a sílica. 
Nasce da tua 
menor unidade.
 De grão em grão... 
há outros pontos de fusão.
Vem pra onde a terra
 encontra o tapete do mar.
 Cansado de conter... 
serás contido. 
Nada em ti se degrada. 
Quem governa 
precisa ser reciclável. 
No fundo, 
bem no fundo... 
é só decidir... 
se preferes ser sólido 
ou duro. 

Bailam as máscaras


Toda a música
Todo o canto sem nota.
silêncio.
Na mente 
o vazio.Toda a dança 
imobilidade. 
Todo o policiamento 
abandono. 
Todo o histrionismo 
timidez. 
Toda a roupa 
nudez. 
És o único autorizado 
- por lei - 


a me despir.