Entre sem se perder...

terça-feira, 4 de março de 2014

Vestida de Magenta



Nasci na décima segunda casa
duma estrada longa, sinuosa.
Enxergava a montanha imóvel,
a quietude de pedra.
Tentei nascer antes...
então, aparentava repouso.
Desfrutei da imobilidade
dos filhos da rocha.
Inaugurei pro mundo
onde as camadas de terra
são mais evidentes.
Comigo nasceram 
outros filhos do mar remoto. 
Então a luta do rochedo e do mar,
do movimento e da imobilidade.
Nasci com uma disfunção congênita.
Meu coração é quem pensa
e meu pensamento é quem sente.
Minha ama de leite trouxe-me 
o racional concentrador.
Sentadinha estava
no trono do conhecimento.
Ganhei o telúrico puro, 
o princípio feminino cósmico.
Virei uma moça belicosa.
Concentro e expando o raciocínio.
Sou onda,
radiação magnética alternada.
Sou afixadora, concentradora,
sagaz observadora.
Conserto pára-raios.
Pendo total para azul,
ora para o vermelho.
Sou cor-pigmento,
primária.
Cor-luz, secundária...
Sou mais de uma faixa no espectro.
Sou a pura ilusão dos teus olhos.
Sou um jardim, 
vestido para jantar de carmim.
Por isso não provoque...
Não tenho que ter coragem
pra te amar,
tenho que ter coragem
pra te esquecer.

A Prostituta Sagrada


Desfila a sabedoria no lugar dos quadris.

A existência entoa um hino de louvor telúrico.

Decidiu viver como quem declama poemas.

Triunfa acesa, transformando onde pisa em altar.

Guarda incógnita toda a sua obviedade.

Reflete no corpo a beleza d' alma.

Por ser pura, seus pés são filhos d'água. 

Ela permitirá os lábios como quem abre a cortina.

Afastará as pernas com quem confessa um segredo.

É resignada para que a obra seja edificada.

Intercala a serenidade de um vulto

com a impaciência de uma torrente.

Seus dons são sustentados por gerações.

Doa-se para que o mundo lhe retribua.

Não se sujeita a paixões, nasceu para amar.

Não pode ser de ninguém, pertence ao mistério.

Possui toda a sofisticação da simplicidade.

Tu és a face eterna do feminino.

Divindade humana, encarnação do amor.

Arquétipo da grande-deusa provedora.

Cumpre demanda por pura devoção ao que é.

Celebra a dança do espírito no sexo.

Conecta-se com a emanação natural do amor divino. 

Viva senhora, suas quatro fases.

Venerável recoberta de estrelas.

Revelação espiritual extraída do âmago do erotismo.

Vive deusa o culto ao deus-falo.

Tu que abrigas dentro de ti a união dos opostos.

Tu que mesclas a candura com a sagacidade da amante.

Portentora do orgasmo sagrado.

Doa-te integralmente, sendo inteira para todos.

Incognoscível, és a vocação maior.

No masculino encampa tua metade-total.

Senhora de mil faces.

Senhora de mil nomes.



Teu nome lembrará a prata.

Teu nome lembrará a selva.

Teu nome,

o som da própria serpente.

Agnus Dei



Sendo ela, belo carneiro,


tentou ele, por as mãos - matreiro - 


sobre as coisas do Cordeiro.




Lobo, covarde em provar,

pede a ovelha negra pra tentar

o que é impossível arrebanhar. 



Tomaram-na por maldita.

Sabe que pra suportar desdita,

só não se pode ser cabrita.



(3+0+0+6+2+0+1+2=1+4=5)


Romance Árabe


Caía a noite embriagada...

O horizonte sobre a linha

anotou por anos

o que ele notou

do que ela não disse.

Cintilava uma eloquência.

Misto de calma e manifestação.

Toda a verve, impaciência.

Blasfemou sobre a beleza

que ofendida passou a vagar...

Ofereceu camelos,

ela, tratado de Alquimia.

Recitou-lhe o Corão,

ela se dizia de Alexandria.

Ofertou-lhe um turbante,

ela se recusou a cobrir o terceiro olho,

que ele não enxergava.

Em segredo,

a levou pra tenda,

mas como poesia,

deveria ser lida em voz alta.

A beleza sempre ofende a Medina.

Deu-lhe água,

atravessava um deserto sozinha,

por isso vivia em tempestade.

Musa de sílica,

era o verdadeiro tesouro d' areia.

Quem diz que a ama,

é digno de oásis.

Pra prosseguir viagem,

deve-se crer em miragem.