Entre sem se perder...

domingo, 21 de setembro de 2008

Consenso


Chegaste aqui sem identidade.
Tu és um nome
que se apropria indebitamente de sobrenomes.
E serás sempre fadada aos restos.
Serás sempre estepe
pneu de estepe.
Aplaudem os meus segredos
enquanto o teu público cai na privada.
Estou dando descarga.
Não sofres de nenhuma doença
são elas que sofrem de ti.
E jamais poderás sequer me fazer sombra.
Te embebedarás em lágrimas
com alto teor alcoólico
e fumarás teus dedos
e envelhecerás todos os dias
mais e mais
e por dentro.
E serás tão ou mais estéril
do que sempre foste.
E não haverá o que fazer.
E te preocuparás
com a relevante cerca do vizinho
depois com as pulgas do vizinho.
E a mulher do mesmo que se cuide!
Serás sempre aquela que sobra.


És aquela coitada
cuja única coisa que minha felicidade pode sentir
é pena.

Caríssimo

A pior morte nos obriga a sepultar vivos.
Mais penosa que missa de sétimo dia
será o passeio ao supermercado.
Pior que percorrer inscrições nas lápides
será o terror dos corredores vazios
entre uma gôndola e outra.
Fantasma é o que assombra
fazendo questão de não aparecer.
Honestamente...
você vai preferir que tivesse morrido.
Você vai desejar que estivesse tão podre
quanto o abacate que te fazem pagar caro por ele.

Acúmulo


Minha vó parou de passar
e ficou acumulada de roupas.
Ela passava só a chorar.
A mãe de meu pai
passava a chorar.
E as lágrimas engomavam toda a razão.
E quanto mais passava mais chorava...
Minha vó perdeu meu tio no meio do vapor.
Nunca mais o achou.
E procurava e procurava.
O tio que eu mais gostava.
Meu tio único.
O tio que entre vários era sempre o único.
E todos nós passamos...
Para ajudar passamos a não vê-lo.
Todos mudaram daquele dia em diante.
Meu pai inaugurou os seus olhos
e minha vó passava a chorar.
Daquele dia
em diante tudo foi ferro.
Daquele dia em diante
o útero começou a morrer.
Até que um dia minha vó parou de passar!

História para não dormir

Ele da fronteira oeste
encontrou minha mãe na serra.
Sou neta de analfabeta
como diria o presidente -
desde que nasceu.
Outra avó
prostituta desde que alguém morreu.
Sou mãe de pelo menos uma menina
que desejo ter
com um homem com idade para ser meu pai.
(...) não quero que ninguém mais saiba desta história
ela é só nossa!


Ocupação

Eras hóspede...
Vieste senhora
em minhas dependências
te abrigaste
Achei que em breve partirias
mas ficaste
Sem minha licença...
maldida dor
de mim
me desistalaste.


À Deriva

É meu ego no volante das coisas
Por isso nego
depois exorto...
te tenho horror
Ando no limite do suspiro
deste sopro
e sofro.
Mal acabada...
Venho de fábrica assim
- sem a menor garantia.

É Deus que tem que acreditar em mim
e não o contrário!